Sara Leal

Março 2025





PROSPEÇÃO MINERAL/PATRIMÓNIO GEOLÓGICO

SÓCIA APG Nº O1383

Natural de Paredes, já foi uma menina de ouro e até de agregados para betão, mas a boa filha a casa torna e é hoje a geóloga da Associação de Municípios Parque das Serras do Porto. De fojo em fojo, de estrato em estrato, esta fã incontestável do quartzito armoricano gere o património geológico e tudo o que nele assenta no Anticlinal de Valongo. 

'As pessoas vêm cá e comentam, "Ah, mas vocês têm tanto ouro!", porque são 15 quilómetros de galerias e, à medida que vamos andando aqui nas serras, indicamos-lhes as enormes extensões de conheiras, que são as antigas escombreiras. E eu costumo dizer que os romanos já levaram tudo, eles viram aquilo brilhar e pronto, nós agora ficámos com restinhos' (risos)

Foi frente ao carismático Fojo das Pombas, em cima do contacto dos xistos de Valongo com os seus quartzitos favoritos, que a Sara contou como acabou na Geologia. A própria admite que foi sem glamour, por exclusão de partes. É que gostava menos das outras disciplinas. Não se arrependeu! Formada pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, a sua vida parece talhada por um conjunto de coincidências para as quais a teoria da sincronicidade foi criada. Nasceu em Paredes e foi-se especializando aleatoriamente nas coisas que hoje faz como geóloga da Associação de Municípios Parque das Serras do Porto. Está, exatamente, onde era suposto, a pisar o chão que conhece, a encher o Anticlinal de Valongo de "pontinhos", e a sorrir confiante e com uma postura tão positiva que dá gosto. Venham conhecer esta menina que parece ter resultado de uma conspiração do Anticlinal de Valongo e que é hoje a geocara da nova fase dourada desta região. Podemos já não ter o ouro, mas temos a Sara.


Entrevista 

Fojo das Pombas, Valongo, outubro de 2024


1. Nome, a data e o local de nascimento.

Sara Leal, nascida em Paredes, em 1989, no dia 10 de março.

2. Conte-nos, de forma simples, para leigos, o que é que faz profissionalmente.

Vou dizer um nome bastante grande, porque neste momento estou a trabalhar na Associação de Municípios Parque das Serras do Porto. E o que é isto da Associação de Municípios Parque das Serras do Porto? É uma associação que gere aqui a paisagem protegida, onde nós estamos, que são as Serras do Porto. E o que é que eu faço em termos de Geologia? Esta área protegida tem grande parte do património mineiro romano, da exploração aurífera, e, por isso, os três municípios que compõem esta área protegida – Gondomar, Paredes e Valongo – decidiram protegê-lo, aliás, proteger todo o património geológico, como é óbvio, o mais importante, mas, também, a parte da biodiversidade. Temos diversos problemas aqui nesta área protegida, os quais, aliás, costumamos chamar mais de desafios do que problemas. Mas a intenção é sempre melhorá-la. Esta área protegida formou-se um pouco à volta do Anticlinal de Valongo, por isso eles desenharam assim o limite todo bonito, mas esse limite tem a ver com a Geologia. E em jeito de curiosidade, eles decidiram que devia ser um geólogo a primeira pessoa a entrar como trabalhadora efetiva aqui desta associação e cá estou eu! Sou a geóloga da Associação de Municípios. Faço um bocadinho da identificação e gestão de património, um bocadinho de pareceres de diversos pedidos, quer de prospeção mineral, mas também de plantação, porque este solo tem muito uso e revolvimento, mas depois também faço um bocadinho de outra coisa, que é gestão florestal. Neste momento temos um projeto também muito importante, o Life, para reconverter o coberto vegetal, porque temos uma área extensa de eucaliptal e a intenção é plantar um bocadinho daquilo que temos aqui à volta, neste local onde estamos que é o Fojo das Pombas [Valongo]. Temos aqui em redor muitas árvores nativas e a intenção é espalhar este tipo de coberto um bocadinho.

3. E de facto já se nota, porque esta visão aqui é um bocadinho a do Portugal antigo, estou a ver pinheiros e nenhum eucalipto.

Exatamente. Nós designamos "Serras do Porto" porque são estas as serras que quem está no Porto consegue visualizar, são assim as primeiras elevações e consideravam que é um nome mais "localizável". E as pessoas reivindicavam um bocadinho o cuidado desta área, porque há muita ocupação para BTT, percursos pedestres, também temos desportos motorizados, há muita gente a vir para aqui. Quando começámos, algumas associações que trabalham aqui, de espeleologia, por exemplo, como o Alto Relevo Clube de Montanhismo, começaram a descobrir um bocadinho o que é que havia aqui em termos geológicos e foi aí que a parte política também despertou para estes temas. Só para termos uma noção, neste momento há aqui mais de 15 quilómetros de galerias, desimpedidos. Ou seja, temos 15 quilómetros, mas podem ser muitos mais, e mais de 400 cavidades inventariadas, é muita coisa!

"(...) eles decidiram que devia ser um geólogo a primeira pessoa a entrar como trabalhadora efetiva aqui desta associação e cá estou eu!"

4. A ideia é pôr troços visitáveis?

Exatamente! Antes de eu vir para cá estive num trabalho relacionado com a estabilidade de algumas galerias que até foi aqui no Município de Valongo, porque efetivamente havia essa vontade por parte das pessoas. Algumas diziam "Ah, mas eu já visitei!", mas é preciso garantir a estabilidade e a segurança das pessoas. Há algumas galerias em Paredes que são visitáveis, por exemplo, as Minas de Castromil. Mas depois, em cada município temos coisas mesmo importantes e as pessoas querem ter a possibilidade de as visitar em segurança. E a Geologia aqui não ajuda nas zonas mais importantes, porque temos bancadas muito grandes de quartzitos intercaladas com xistos muito fininhos. Para a parte da geotecnia, não é bom, porque o xisto desgasta-se muito facilmente e é uma complicação. E, claro, haveria formas de assegurar tudo, mas não podemos intervir de qualquer maneira, porque estamos a falar de património histórico.

5. O que era explorado aqui? Algo mais além do ouro?

Sobretudo ouro! Mas aqui, nesta zona, temos três recursos principais: o ouro (Au), o antimónio (Sb), estes são os mais explorados ao longo das Serras do Porto, e o carvão. O carvão está ali numa "baciazinha" importante e às vezes as pessoas esquecem-no um bocadinho neste contexto histórico, pois tem uma exploração muito mais recente. Mas em São Pedro da Cova há o Museu Mineiro e tudo em redor da exploração do carvão é super importante, pois as pessoas ainda se lembram. E há algum tempo, se calhar, as pessoas não gostavam tanto dessa memória, mas agora nota-se que têm bastante orgulho na valorização do património em São Pedro da Cova. Agora o ouro, ficámos aqui com o ouro, é verdade! Mas eu costumo dizer que os romanos já levaram tudo. As pessoas vêm cá e comentam, "Ah, mas vocês têm tanto ouro!", porque são 15 quilómetros de galerias e à medida que vamos andando aqui nas serras indicamos-lhes as enormes extensões de conheiras, que são as antigas escombreiras. E eu costumo dizer que eles já levaram a grande parte, eles viram aquilo brilhar e pronto, nós agora ficámos com restinhos. (risos) Ainda por cima nesta rocha tão dura, que são os quartzitos.

"(...) ficámos aqui com o ouro, é verdade! Mas eu costumo dizer que os romanos já levaram tudo"

6. Em que ano e onde é que ingressou no curso de Geologia?

Eu entrei em Geologia na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto [FCUP] em 2007, [ano letivo] 2007-2008. Depois também fiz o mestrado por lá.

7. O que é que a levou a seguir a Geologia?

Não vou dar uma resposta super gira. Porquê? Porque eu não tenha o clássico "Ai quero ser geóloga", não. Ou seja, sabia que não gostava de matemática, não gostava de saúde, apesar de quando era miúda dizer "Ah, sim, vou ser pediatra", só que não. Depois ainda quis ser veterinária, porque gosto muito de animais, mas também não dava, porque tenho medo de cães, por isso fui um bocadinho pelas disciplinas que mais gostava, nas quais me sentia mais confortável e tirava boas notas. Então a escolha era a Geologia ou a biologia, mas pus Geologia em primeiro lugar – felizmente, felizmente! (risos) E entrei em Geologia por isso. No primeiro semestre, foi um bocadinho mais difícil, porque tínhamos muita matemática e não era aquilo que eu gostava, mas depois começaram as aulas de campo e fiquei rendida!

8. Começaram logo no primeiro ano as aulas de campo?

Sim, tínhamos cartografia! Começámos a ter aulas de cartografia, já não sei bem os nomes, era métodos cartográficos ou algo assim, e tínhamos trabalho de campo com a professora Maria dos Anjos, que ajuda bastante a motivar os alunos!

9. Na sua família, há mais alguém ligado à Geologia?

Não, não, nada disso. Mas sempre nos interessámos muito, por exemplo, pelas paisagens naturais. Saíamos muito ao Domingo para passear e lembro-me de recolher umas pedrinhas - para mim eram pedras, não é? - e fazia uma coleção. Mas, se for a ver a coleção que tinha, não era nada de importante, tinha uns 100 quartzos iguais. Mas sempre gostámos muito, principalmente o meu pai, da paisagem natural e tudo o que estivesse relacionado com rochas e este tipo de natureza. Por exemplo, passeávamos muito na zona de Trás-os-Montes, éramos mais pelo meio natural do que pelas cidades.

"(...) passeávamos muito na zona de Trás-os-Montes, éramos mais pelo meio natural do que pelas cidades"

10. Também fica fácil crescendo em Paredes…

Completamente! Ali a zona da Senhora do Salto [Aguiar de Sousa], era muito normal irmos para lá conviver. E perto de minha casa, mais perto da zona do granito, os meus percursos eram todos a passar-lhe por cima. Mas nunca tive essa noção na cabeça, ou seja, quando escolhi Geologia era um bocadinho, "Ok, o que é que gosto mais?". E os meus pais ficaram assim um bocado, "Ok, Geologia… Geologia, pode ser!" e deixaram-me. Mas acho que nem eu nem eles percebíamos muito bem o que é que é. E sou sincera, quando ingressei no curso sabia de algumas saídas profissionais, mas se calhar eram aquelas mais "fixes", tipo vulcanologia. 

11. Nos tempos em que foi estudante universitária, foi uma aluna média, boa ou muito boa?

Se calhar os professores diriam que fui melhor, mas eu considerava-me média. Média, sim, sim!, porque às matemáticas e a outras coisas assim, não tirava boas notas.

12. E era mais calada ou participativa?

Se calhar ali algures no meio. Eu acho que no primeiro ano era mais caladinha, porque não conhecia muita gente. Mas depois criámos um grupo interessante e era um grupo muito diverso, aliás, nem todos trabalham em Geologia hoje em dia. Já na altura se notavam os diferentes gostos. (risos) Mas nas aulas era participativa e gostava de me meter em tudo.

Jantar do Serrote do curso de Geologia de 2013, FCUP.

13. Então também participava em atividades extracurriculares? Organizava coisas?

Sim. Mas aí já estava no mestrado, ou até foi já depois do mestrado. Houve uma tentativa de criar o Núcleo de Geologia. Foi difícil porque nós queríamos fazer em formato legal, queríamos fazer aquilo muito direitinho, e isso atrasou bastante. Não estou a dizer para se fazerem coisas ilegais, como é óbvio não é isso, devemos tentar formar os estatutos, mas depois demoramos muito tempo até começar a fazer coisas práticas. Entretanto, acho que eu já estava numa bolsa de investigação, ou no doutoramento, quando foi criado então o Núcleo de Geologia do Porto [NGP]. E não, ainda não tinha estatutos, ou seja, não tinha um formato legal, mas era um "grupo de alunos que gostava de fazer coisas". E começou a acontecer, começámos a fazer visitas de campo, tínhamos uma revista... Tínhamos e se calhar os colegas ainda a fazem, não sei, porque o núcleo continua ativo e acho que os novos alunos agora estão muito envolvidos, porque eu vejo nas redes sociais, o que é muito giro. Ou seja, não era, então, um núcleo formal, mas fazíamos muita coisa. E a revista, com artigos dos alunos, era muito gira, chamava-se GeoCore. Fizemos o logo e nós é que fazíamos as edições. E depois fazíamos uma visita uma vez por ano. A primeira correu lindamente, menos a viagem em si, pois o autocarro avariou. (risos) Fomos a Trás-os-Montes, porque tínhamos que fazer as saídas com "a prata da casa", a professora Maria dos Anjos, o professor Noronha e a professora Helena Brites. Depois, à medida que os alunos iam entrando, íamos integrando os novos, houve ali uma época em que os alunos não estavam tão interessados e depois já eram os mais velhos que mantinham o núcleo. Mas, pelo que tenho visto nas redes sociais, parece-me que está ativo!

14. Qual a disciplina que gostou mais durante o curso e quem a lecionava?

Já não me lembro muito bem do nome, mas tinha a ver com recursos geológicos, que foi sempre a área da qual gostei mais, ainda que não tenha sido nela que comecei a trabalhar. Esta disciplina tinha a parte teórica, que era dada pelo professor Noronha, e depois a parte prática era a professora [Maria] Armanda Dória. E ainda tínhamos uma disciplina muito interligada, que se chamava Laboratórios III e que era microscopia de minerais opacos, de minérios, e eu adorava essa parte! Lembro-me que a professora tinha umas coleções exímias, tudo muito organizado, muito direitinho, e para mim foi um "Ok, gosto muito de amostra de mão, mas o microscópio também acho muito giro".

"(...) claro que a Geologia pode ter sempre aplicação, mas falo do dia-a-dia, saber que numa mina exploram este tipo de minérios e que dá para se ser útil a fazer aquilo. Isso era uma coisa que me motivava."

15. E conseguiu logo diferenciar aquelas cores, aqueles cinzentos que são todos iguais quando começamos?

Sim! Lembro-me das palavras do amarelo-pálido, amarelo-pálido claro, verde azeitona. E depois, na minha tese de doutoramento, vi muitos minérios e lembrava-me de distinguir tudo, tudo, tudo. Às vezes era preciso um mineral estar ao lado de outro para perceber que já tinha outra cor, mas eu adorava isso. E sempre gostei daquela coisa da aplicabilidade. Claro que a Geologia pode ter sempre aplicação, mas falo do dia-a-dia, saber que numa mina exploram este tipo de minérios e que dá para se ser útil a fazer aquilo. Isso era uma coisa que me motivava.

16. Já agora, qual foi então o tema da sua tese de mestrado e de doutoramento e foram ambas no Porto, certo?

Tudo no Porto, a tese de doutoramento também foi em parceria com a Universidade de Aveiro, mas foi no Porto. A minha tese de mestrado foi sobre agregados para betão. Fiz uma tese ligada à microscopia e ao estudo de betão e de agregados para diferentes obras, como barragens e pontes. Basicamente, recolhia agregados de diferentes pedreiras, aqui em Portugal, e depois víamos onde eram utilizados e estudávamos o betão, porque há uns problemas que podem aparecer no betão os quais depois têm implicações na estabilidade das estruturas. Trabalhei com a professora Isabel Fernandes. E, na altura, porque é que eu escolhi isto? Não porque fosse das minhas disciplinas preferidas em termos de tema, mas porque gostava muito das aulas da professora Isabel Fernandes. Ela era assim muito certinha e organizada, gostava muito do humor dela, da maneira de ser dela. Já não sei muito bem quando tive uma bolsa de investigação, porque como eu queria fazer uma coisa prática, candidatava-me a tudo. E fiquei, então, com essa bolsa de investigação para trabalhar com ela num projeto FCT e foi nesse âmbito que surgiu a tese de mestrado. Já nem sei bem se foi antes ou depois, mas foi por isso. Já o doutoramento, também não fui eu que escolhi, foi também a circunstância. Na altura, saí da faculdade e fui trabalhar para algumas empresas, a recibos verdes, e depois voltei para a investigação, concorrendo a uma bolsa de investigação que achei que não ia ganhar, com o professor Alexandre Lima, relacionada com mineralizações de ouro. Achei que não ia ganhar porque nunca tinha trabalhado no tema, ou seja, vinha de uma tese de mestrado de agregados, estava mais ligada à geotecnia, à instrumentação e era isso que ia fazendo. Também tinha gostado das aulas do professor Alexandre, de prospeção geológica, ele dava a parte da geoquímica e o professor Rui Moura dava a parte da geofísica. E então candidatei-me, "Olha, porque não?". Quando fiquei disse "Agora vai ter de ser!". Fomos criando uma relação de trabalho, comecei a gostar, até porque era um tema do qual eu já gostava. O projeto era o SUSMIN [Tools for Sustainable gold mining in EU], e era muito relacionado com as minas de Paredes, de Castromil. E eu sou de Paredes, então conhecia, adorava, e comecei a trabalhar no ouro assim. Depois foram surgindo projetos, concorri a uma bolsa de doutoramento, a primeira vez não consegui, à segunda concorri com o mesmo projeto, mas melhorei-o um bocadinho. Como nunca tinha pensado em investigação, o meu currículo não tinha sido talhado para isso, mas consegui a bolsa de doutoramento no ouro, cujo conhecimento agora me dá imenso jeito.

17. Qual o primeiro trabalho remunerado na área da Geologia?

Foi uma Bolsa de Iniciação à Investigação, uma BIC. Eu achei super interessante, trabalhei numa coisa tipo CSI: Geologia forense, através da análise de solos. Trabalhei com a professora Alexandra Guedes, gostei muito e foi muito engraçado, porque eu ligava aquilo mesmo ao CSI. Imagina uma pegada, recolhes o solo e tentas discriminar com um bocadinho de sedimento a proveniência. Mas com uma ligação lógica, porque a professora trabalhava com a PJ. Além de ter sido super giro, eu era remunerada, ainda durante a licenciatura.

18. Naquilo que é a sua vida profissional, qual a atividade ou exercício que mais prazer lhe dá?

Neste momento vão-se metendo mais coisas que, às vezes, nem têm a ver com Geologia, mas das quais eu também gosto, pois não gosto de fazer sempre a mesma coisa. E, neste sentido, a intenção é inventariar o património geológico aqui das Serras do Porto. São cerca de 6000 hectares e à medida que eu vou para o campo há sempre coisas novas, como um afloramento que nunca tínhamos visto, porque fazemos uma intervenção de controlo de espécies invasoras e agora temos ali um complexo mineiro exposto, como aconteceu em Gondomar, onde temos umas estruturas gigantescas relacionadas com a extração de ouro e antimónio que estavam anteriormente cobertas. E eu gosto muito disso, de ir para o campo, inventariar e depois chegar ao gabinete e utilizar os SIGs e ver aquilo cheio de pontinhos, com a informação toda, é o que eu gosto mais. Lá está, inventariar, descrever tudo e andar no campo. Mas também gosto da parte de juntar os dados e ver assim tudo num mapa, "Ok, trabalhei, hoje fui ali e ali, e está tudo feito". Deixem-me fazer aqui o disclaimer que eu não gosto muito de escrever. (risos)

"E eu gosto muito disso, de ir para o campo, inventariar e depois chegar ao gabinete e utilizar os SIGs e ver aquilo cheio de pontinhos, com a informação toda, é o que eu gosto mais"

19. Qual foi a maior surpresa com a qual não estava a contar, foi essa de Gondomar?

Sim! E, por acaso, nessa altura, eu não a encontrei, porque estava de férias quando a empresa esteve lá a fazer a intervenção. Depois as minhas colegas é que ligaram a contar. Eu costumo dizer que os meus colegas já estão geólogos, eles são ótimos. Depois fui lá ver e, efetivamente, aquilo tem um património mineiro muito, muito interessante. E eu conhecia fojos, sou de Paredes, conheço relativamente bem este tipo de ocorrências, mas à medida, agora quase diariamente, que vamos para o campo e vamos conhecendo melhor, torna-se cada vez mais interessante.

20. E qual é a coisa, além de escrever, que menos gosta de fazer, mas, que remédio, tem de fazer na mesma?

Não é que eu não goste de fazer, que eu até gosto de organizar coisas, mas a carga burocrática… Às vezes estamos a tentar avançar, mas temos imensa coisa para tratar, para fazer um pedido demora muito, e eu percebo, não é? Por causa da transparência. Mas às vezes uma coisa muito pequenina, demora demais! 

"(...) se calhar vou dizer que a tese de doutoramento foi o momento mais marcante, porque foi nesse instante que percebi que se calhar não queria assim tanto investigação"

21. Há algum geólogo, contemporâneo ou não, que admire muito?

Se calhar posso dizer três geólogos que foram importantes no meu percurso e cujos ensinamentos levei para a vida. Imagina estares a fazer qualquer coisa, e pensares "Se tivesse aqui a professora X, faria assim". Pronto! E eu acho que, quer os valores, quer mesmo a parte prática perante a Geologia, tento levar da professora Isabel Fernandes, que era muito direta com tudo e eu gosto dessa praticidade. O não andar em rodeios, o "Assim está bem, assim não está", ela é muito prática a trabalhar. Eu lembro-me que lhe enviava coisas para ela rever logo, gostava da ligação que ela tinha à parte empresarial, gostei sempre muito disso, a aplicabilidade. Depois, durante a tese, ela foi uma ajuda muito, muito grande. Mais tarde, no doutoramento, trabalhei de perto com o professor Alexandre Lima e o professor Fernando Noronha. Os dois são muito diferentes, claro que sim, mas cada um à sua maneira contribuiu para a tese que entreguei, bem ou mal, como eu costumo dizer, e contribuíram para onde estou hoje, isto é, para a maneira como trabalho, a maneira como comunico Geologia. Uma coisa comum aos três é o gosto e a maneira de comunicar a Geologia, o simplificar, porque às vezes nós geólogos, complicamos.

22. Qual é a sua publicação favorita na área das geociências?

Uma carta geológica daqui. Aliás, são duas, não é? Porque trabalho quase diariamente com elas: a 9-D [Penafiel] e a 13-B [Castelo de Paiva].  

23. Conte-nos o evento ou o momento mais marcante na sua carreira até agora.

Poderia dizer que foi a entrada para aqui, para a Associação de Municípios. Porquê? Porque estava num momento em que queria uma coisa muito mais estável, estava cansada daquela intermitência, porque tinha vindo da investigação, o "Ah, agora tens um contrato, depois vais ter outro contrato". E eu até gostava muito de investigação, porque dá-nos tempo para pensar, que agora não tenho, porque há muitas solicitações. Não posso estar um dia inteiro a ler um artigo e, depois, no dia seguinte dizer "Hoje vou pensar sobre o artigo". Não dá tempo! (risos) Também gostava muito do campo e eu acho que sou bastante autónoma. Portanto, sinceramente, nem sei, mas se calhar vou dizer que a tese de doutoramento foi o momento mais marcante, porque foi nesse instante que percebi que se calhar não queria assim tanto investigação. Não pelo trabalho de investigação em si, mas pelo estado da investigação em Portugal. Fui sempre um bocadinho reivindicativa e queria uma coisa mais estável. E não adoro escrever. (risos) Na altura do COVID, tive mesmo de escrever, fiz a tese por artigos. Apesar de ter tido um paper recusado, nunca tive revisões muito más, foram até sempre muito construtivas, mas não me via a fazer aquilo muito tempo. Andar no campo, recolher, cortar amostras, superfícies, eu adorava isso, e gosto mesmo, mas depois a parte da escrita… E para se ser investigador, temos de andar sempre atrás, de publicar, e desmotiva-me essa pressão, esse meio. E foi esse momento, pensamento, que me trouxe aqui. Eu já acompanhava o projeto da elaboração da área protegida das Serras do Porto antes de imaginar que iam abrir uma posição. A associação já existe desde 2016 e eu ia às reuniões como munícipe de Paredes. Aqui em Valongo e em Gondomar, eles faziam as sessões participativas, foram fazendo um plano de gestão, eu sempre atenta à Geologia, e participava ativamente como munícipe, nunca pensando que um dia viria trabalhar para cá. A FCUP também esteve envolvida, até foi o professor Alexandre Lima que começou a trabalhar aqui no plano de gestão, e eu fui, então, acompanhando mais de perto, mas nunca pensando que isto seria uma hipótese. Aliás, o lugar só abriu em 2022.

24. E um momento mais embaraçoso, um falhanço, ou algo mais complicado?

Eu sou boa a eliminar isso. (risos) Sou muito despistada. Mas assim um falhanço… Então, eu antes de vir para cá trabalhar estive a trabalhar no INEGI [Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial], que é um centro de investigação associado à FEUP [Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto]. Eles tinham sido contratados para fazer a cartografia de galerias subterrâneas aqui nesta zona e perceber a estabilidade dessas galerias, ou seja, um estudo geológico e geotécnico. 

25. Parece que fez todo um currículo a pensar no que ia acabar a fazer um dia! (risos)

A sério, é mesmo! Ligaram-me assim do nada, uma colega que eu conhecia de nome, que tinha entrado antes de mim no curso, a Renata Santos. A proposta era para um curto espaço de tempo e eu naquele momento estava a recibos verdes, a fazer várias coisas e disse, "Olha, ok, pode ser, vou gostar!". Então vínhamos as duas medir diaclases e foliações dentro das galerias, quase o dia todo, trazíamos um chazinho quente que nos sabia muito bem. A ideia era ligar o Complexo [mineiro] Fojo das Pombas a uma zona aqui mais a norte. Ora, há zonas em que tu não passas, principalmente aqui nesta zona, e tínhamos de aprender técnicas de espeleologia. Temos uma associação que sempre nos apoiou, são excelentes, mas eu tenho vertigens. Então íamos treinar para um pavilhão, eles colocavam uma corda e depois nós tínhamos de subir aquilo. Fizemos isto durante três meses, duas vezes por semana e eu não disse nada, pensei, "Ok, estou a fazer o meu trabalho". Porque no início não me tinham dito que iria fazer isto em concreto, falaram em técnicas de espeleologia e eu achei que era uma coisa tipo descer ali um poço. Não, não era bem assim. Nós tínhamos de ser bastante autónomas e eu, com medo de tudo, com vertigens, eles amarravam uma corda, com todas as seguranças, eu suava, mas subia e lá conseguia. Mas quando chegou o dia de fazer a sério, em que tínhamos de descer ali no fundo do Fojo das Pombas, eles tiveram muita paciência, mas foi muito complicado para mim, porque tinha muito medo. Eles eram muito engraçados, diziam "Ah, sim, deve estar seguro". E eu, "Deve estar? Não, isto tem de estar seguro, esperem aí! Estou quase a morrer de medo". Foi um trabalho muito giro, mas para mim foi muito desafiante, porque eu tenho muito medo mesmo. E hoje em dia eles passam por mim, que nós partilhamos edifício, e dizem "Então Sara, quando é que vamos?". É que nem pensar! "Vocês não devem estar bem, e ali pagavam-me. Assim só por desporto?! Não!" (risos) Só por desporto, não.

26. Se pudesse viajar no tempo geológico e assistir a um evento concreto qualquer, qual escolheria?

Vou dizer uma coisa que foi uma questão que não ficou resolvida na minha tese de doutoramento, que é: quando é que se formou o ouro no norte de Portugal? Literalmente. Se as mineralizações são um episódio único, se há vários… É muito difícil datarmos aqui as mineralizações e eu gostava de ir lá, a quando aconteceu, para perceber um bocadinho porque é que são tão parecidas, em diferentes locais, mas há sempre ali uma diferença nalguns pontos que nos deixa a pensar. Adorava, mas acho que era capaz de demorar, acho que aquilo não foi assim tão rápido.


Intraclasto

A partícula de ouro

Como intraclasto, a Sara trouxe-nos "A partícula"! Uma pepita de ouro que encontrou durante o doutoramento e que traz sempre consigo, numa pequena base de cobre. Pode não ser uma daquelas pepitas gigantescas, tipo "gold rush", mas esta, pelo menos, os romanos não levaram!

"Eu ando sempre com esta partícula, (...) e mostro a toda a gente. Aos miúdos digo, 'Vamos ver ouro!' Isto foi encontrado a fazer uma bateia e quando conto, as pessoas dizem, 'Ah, mas é isto?'. E eu digo sempre, 'Quando vir ouro, você vai perceber o que é que é!' Porque brilha efetivamente e, mesmo ao microscópio, quando é ouro, é ouro. E pronto, é o ouro. (risos) Durante a minha tese de doutoramento apanhei imensas partículas destas, assim pequeninas, mas não fiquei rica. (risos)"


Geomanias

Rocha preferida? Quartzito

Mineral preferido? Lá tem de ser o ouro, não é?

Fóssil preferido? É a trilobite, que é aquele que eu mais encontro aqui.

Unidade litostratigráfica preferida? Formação Santa Justa

Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Metálicos

Era, Período, Época ou Idade preferido? Ordovícico

Pedra mole ou pedra dura? Dura! É assim, do Porto, quem responder pedra mole, não estou a perceber! (risos) Estou a brincar! 

Martelo ou microscópio? Neste momento o martelo, mas durante muito tempo foi o microscópio, e gostava muito.

Trabalho de campo ou de gabinete? Campo 

Esparrite, esparite, sparite ou sparrite? Esparite... acho que foi assim que aprendi.


Teaser da Entrevista