Antony Pereira
Outubro 2024
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
SÓCIO APG Nº O1034
Natural de São João del Rei, Minas Gerais, Brasil, mas criado no Porto, foi a mineralogia e o ar livre que o empurraram para a Geologia. Depois de breve incursão na prospeção mineral, desceu ao subsolo e é raro vê-lo à superfície. É com a experiência dos metros do Rio de Janeiro e São Paulo que hoje acompanha as obras de expansão do Metro do Porto.
"(...) gostava muito de desafiar os professores para fazer saídas de campo, de me envolver em projetos para além daquilo que era dado nas aulas, e senti que foi isso – para além das saídas de campo – que me formou enquanto geólogo"
Julho, Cacilhas, o Tejo, os barcos, o estaleiro, uma ventania desgraçada e a vista para "a toalha à beira-mar estendida": foi frente a uma travessa de amêijoas, na margem que agora o vê crescer, que começámos a conversa com o Gil. Nunca quis ser outra coisa. Desde miúdo, entretia-se a catar fósseis no chão que pisava. Apanhou o fenómeno Jurassic Park na adolescência e foi direto para o curso de Geologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, mas o tamanho que mexe com ele é outro: deu-lhe para os microfósseis e tornou-se um coca-bichinhos. Depois de várias passagens pela indústria dos recursos geológicos cá dentro e lá fora, voltou à rocha-mãe e criou a sua própria empresa, a Chronosurveys, onde põe os palinomorfos a denunciar quando, onde e como se formaram as rochas que os clientes lhe enviam. Quando não está atrás do microscópio, podemos encontrá-lo a praticar Kung Fu. Nunca se sabe em que situações complicadas a biostratigrafia nos pode vir a deixar. Venham conhecer o "puto chato que estava sempre a fazer perguntas difíceis e a pôr o dedo no ar" e a grande importância das coisas pequenas.
Entrevista
Cacilhas, Almada, julho de 2023
1. Nome, data, local de nascimento.
Gil Machado. Nasci em Lisboa, a 13 de outubro de 1981.
2. Conte-nos, como se fosse para leigos, o que faz profissionalmente.
Sou estratígrafo. Mais especificamente, biostratígrafo. Trabalho com microfósseis, palinomorfos, ou seja, fósseis de parede orgânica, e observo-os ao microscópio. E a partir da informação daquilo que observo, da taxonomia que é feita, consigo obter dados quanto à idade das rochas e quanto ao ambiente de sedimentação. De forma simplificada é isso.
3. E usa essas ferramentas para…
O que a maior parte dos clientes querem saber é a idade das rochas que me enviam. Às vezes são coisas muito básicas, como saber se são, por exemplo, pertencentes ao Ordovícico ou ao Silúrico. Outras vezes pretendem algo mais pormenorizado, dependendo também do detalhe com que um trabalho é feito. Saber a idade das rochas ao longo do perfil de um poço, de uma secção que aflora ou seja do que for. Por vezes, quando é mais do que um poço ou secção, querem utilizar os dados da biostratigrafia para correlacionar essas duas secções. E depois há a parte paleoambiental e a parte de maturação térmica que também é possível fazer a partir da palinologia. Por exemplo, diferentes grupos de fósseis são encontrados numa lâmina palinológica, os quais podem ser de origem terreste, marinha, marinha profunda, etc, e as várias proporções desses grupos dão-nos uma indicação do ambiente de sedimentação, havendo vários índices e gráficos que se podem utilizar para fazer esse tipo de interpretação.
4. Em que ano e onde entrou no curso de Geologia?
Foi em 1999, na licenciatura em Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Já lá vai muito tempo… ainda foi antes do euro. (risos)
5. O que o levou a seguir Geologia?
Gostava de fósseis já desde tenra idade. Cresci em Lisboa e na rua onde vivia havia um afloramento do Miocénico – um dos poucos e que, entretanto, já desapareceu – e foi aí que comecei a apanhar uns fósseis, como dentes de tubarão e conchas. Comecei a interessar-me por essa temática, inicialmente a paleontologia, mas mais pelo interesse nos fósseis enquanto objeto.
6. E com que idade é que começou esse interesse?
Deve ter começado por volta dos
12 anos, mais ou menos. Pouco tempo depois disso surgiu o Jurassic Park
[1993] e toda a história dos dinossauros, que também me interessou, embora
nunca tivesse tido muito interesse por paleontologia de vertebrados. Depois de
ter entrado no curso comecei a interessar-me mais pelos fósseis na perspetiva
estratigráfica, ou seja, não tanto pelos objetos, mas pela informação que eles
nos transmitem. A partir daí foi fácil ir para a parte mais
micropaleontológica.
Numa exposição de dinossauros no Centro Comercial Colombo, Lisboa, em 2005.
"Depois de ter entrado no curso comecei a interessar-me mais pelos fósseis na perspetiva estratigráfica, ou seja, não tanto pelos objetos, mas pela informação que eles nos transmitem"
7. Foi só a paleontologia que lhe "aqueceu o coração" nos tempos universitários, ou houve outras disciplinas que também o cativaram?
Eu acho que gostei de praticamente todas as disciplinas, talvez à exceção de cristalografia – peço desculpa ao professor Jorge Figueiras, apesar da forma interessante como as aulas eram dadas – porque era uma disciplina que eu sentia um bocado exótica em relação à Geologia. Todas as outras áreas, como a Geologia estrutural, as petrologias, tudo me interessou bastante, mas aquilo que me interessou originalmente e que faço ainda hoje é estratigrafia.
8. Quem dava as aulas de estratigrafia quando frequentou o curso?
A estratigrafia, apesar dos nomes das disciplinas, estava um bocado distribuída na paleontologia, que me foi dada pelo professor Mário Cachão, onde já fazíamos a descrição de um corte geológico e observávamos os fósseis. Depois havia a sedimentologia, a estratigrafia e a estratigrafia complementar, dadas pela professora Ana Azerêdo.
9. Qual foi a sua disciplina preferida no curso?
Foi a paleontologia. Não era só a parte do interesse dos macrofósseis, mas também por nos dar a perspetiva estratigráfica, porque nos puseram a descrever cortes do Miocénico nos arredores de Lisboa e deu-nos esse traquejo, que considero fundamental para qualquer geólogo: saber descrever uma sequência estratigráfica. Era uma disciplina que nos dava a perspetiva de que informação nos podem dar os fósseis quanto ao ambiente de sedimentação, para lá da sedimentologia, tipo de rocha, tamanho do grão, etc. Portanto, acho que essa foi uma das disciplinas mais importantes e que mais gostei, precisamente porque abriu essa perspetiva para o mundo da estratigrafia.
10. Na sua altura, qual era a duração do curso?
Era quatro anos.
11. Foi um aluno bom, médio, muito bom…?
Depende do que isso significa. Tirava
boas notas, era um aluno empenhado, mas mais do que estudar para os exames –
porque já durante o curso tinha consciência que era importante tirar boas notas
pois isso ia abrir portas quer para o mundo académico, quer para o mundo da
indústria – gostava muito de desafiar os professores para fazer saídas de
campo, de me envolver em projetos para além daquilo que era dado nas aulas, e
senti que foi isso – para além das saídas de campo – que me formou enquanto
geólogo. Por exemplo, quando comecei o curso, o professor Mário Cachão ainda
estava ligado fisicamente ao Museu de História Natural [e da Ciência] – havia
alguns professores que ainda tinham lá o seu gabinete – então, durante algum
tempo, ia lá todas as semanas com alguns colegas limpar alguns fósseis e
tirá-los da rocha e senti que esses pequenos projetos paralelos associados, às
vezes, a algumas cadeiras, contribuíram bastante para a minha formação enquanto
geólogo.
"Foi uma primeira experiência de choque. Saí do curso, fresquinho, e fui para o meio de lado nenhum, no Brasil, fazer cartografia geológica e mineira"
12. As saídas de campo que falou, eram organizadas com algum grupo?
Sim. Por exemplo, em petrologia metamórfica, desafiámos o Professor [José] Munhá e o professor Paulo Fonseca a fazerem uma saída de campo para vermos rochas metamórficas no campo. De facto, não tínhamos tido praticamente nenhuma experiência com esse tipo de rochas e, então, conseguiu-se um autocarro e fomos durante uns dias ver rochas metamórficas para o Alentejo.
13. Foi só a vossa turma ou foram mais pessoas?
Foi só a nossa turma. Na altura, já os ramos [científico e aplicada] estavam divididos e era o quarto ano de curso.
14. Houve outras saídas de campo?
Sim, houve outras. Eu estive envolvido no Núcleo de Estudantes de Geologia [NEG], que teve várias "mortes" e "renascimentos" ao longo do tempo, e eu assisti a vários. Organizámos um encontro nacional de estudantes de Geologia. O evento foi em Lisboa e o grupo de alunos que o organizou resolveu "refundar" o NEG. Algumas das atividades que fizemos foram precisamente saídas de campo, relacionados com vários temas. Outra das atividades do NEG era estar presente na feira de minerais, o que também ajudava a financiar algumas das atividades do núcleo. Vendíamos cristais e fósseis… coisas que o pessoal ia apanhando.
15. Nas aulas, era um aluno participativo, ou mais reservado?
Gostava de participar. Apesar de ser tímido por natureza, tinha curiosidade e gostava de saber das coisas, portanto fazia perguntas. Na maior parte das aulas havia abertura dos professores para responder a questões dos alunos.
16. Qual foi o seu primeiro trabalho
contratado?
Fiz um "programa contacto", que era semelhante ao Erasmus, na Irlanda, em Dublin, e quando estava a acabar o curso circulou um e-mail de uma empresa mineira irlandesa, que estava à procura de geólogos que preferencialmente falassem português, porque tinham projetos no Brasil. Eu estava a acabar o curso e concorri. Foi uma primeira experiência de choque. Saí do curso, fresquinho, e fui para o meio de lado nenhum, no Brasil, fazer cartografia geológica e mineira. Foi uma boa experiência. Entrar no mundo profissional e perceber que os geólogos eram úteis. Na altura fiquei responsável pelo escritório da empresa, e nalguns aspetos foi puxado, mas foi uma boa experiência.
"(...) a transição para o mundo dos petróleos foi fácil, porque essas três componentes – que uso diariamente – são valências importantes para esse mundo."
17. Sentiu-se logo preparado?
Senti que o que estava a fazer era um bocado cartografia geológica como tinha aprendido a fazer no curso. Tinha de perceber um bocado de tudo e na altura não havia Google Earth, nem sequer tinha fotografia aérea da zona, portanto comecei, literalmente, com um mapa em branco. Tinha um GPS, ajudantes de campo, um martelo, e pronto… foi começar a fazer cartografia.
18. Foi durante quanto tempo?
Foram só uns meses. Acabei o curso no final de junho e durante esse verão estive a fazer cartografia. Entretanto, já tinha o doutoramento mais ou menos apalavrado e por isso não continuei nessa empresa. Mas foi uma boa experiência.
19. Como é que se deu o salto daí para os petróleos?
No sector mineiro tinha tido uma
boa experiência, mas não me via a trabalhar nessa área, nunca foi isso que me
puxou para a Geologia. Sempre tive mais interesse na área da estratigrafia e o
doutoramento era precisamente trabalhar com a estratigrafia e palinologia de
uma região em Portugal. Portanto, a partir daí surgiu a palinologia, que direciona
mais para a estratigrafia pura e dura, de datar rochas, mas tem também o lado
paleoambiental e a relação com a maturação térmica. Visto que são microfósseis
orgânicos, sofrem uma alteração visual e geoquímica à medida que as rochas que
os contêm vão sendo expostas a pressões e temperaturas maiores. Assim, do mesmo
modo que observamos características diferentes em rochas expostas a diferentes
condições, também as características do conteúdo palinológico dessas rochas
variam. Portanto, a transição para o mundo dos petróleos foi fácil, porque
essas três componentes – que uso diariamente – são valências importantes para
esse mundo.
20. Gostou do tempo que esteve a trabalhar na GALP?
Sim. Na GALP não estava a trabalhar com estratigrafia pura e dura, digamos assim. Muitos dos geólogos que trabalham na GALP estão mais ligados à interpretação sísmica e geração de prospectos, e essa era uma área onde tinha pouca experiência, mas para mim foi uma experiência interessante porque a sísmica é a fonte de dados mais espetacular que pode existir. Não há nenhuma outra ferramenta tão boa para analisar a subsuperfície como a sísmica, e nesse aspeto foi muito bom perceber e fazer análise de bacias sedimentares a uma escala por vezes regional, quilométrica, muito diferente dos afloramentos que estava habituado a ver, e depois tentar integrar isso com a parte mais estratigráfica.
21. Foi o Gil que trouxe isso, ou foi a empresa que percebeu que tinha essa valência e o desafiaram a tentar interpretar mais esse tipo de dados?
Esse tipo de interpretação depende dos projetos, mas se a sísmica for em 3D, dá para fazer muita análise estratigráfica a partir desses dados. Pode-se fazer análise sedimentológica numa bacia profunda – o que se chama geomorfologia sísmica – pegar nos dados de sísmica e perceber as macroestruturas sedimentares, como canais, leques, etc. E é possível ver tudo isso em sísmica 3D. Depois, tem um aspeto prático de perceber onde devem estar os reservatórios e as armadilhas estratigráficas, ou não. Na prospeção de hidrocarbonetos o trabalho estratigráfico é também útil e tive a sorte de trabalhar em vários projetos no offshore de Angola e do Brasil, um pouco em Marrocos e Moçambique também. Volta e meia também aparecia algo de biostratigrafia. Portanto, também podia trabalhar um bocado com isso. Foi uma experiência muito enriquecedora. Hoje em dia, embora não trabalhe muito com sísmica, continuo a dar cursos de interpretação sísmica, tanto online como presencial.
22. Há algum geólogo que tenha como referência?
Há várias pessoas que admiro enquanto geólogos e que ao longo do meu percurso académico e da minha carreira foram minhas referências, e até certo ponto posso dizer que sou um geólogo realizado porque segui o que acredito que foram os bons exemplos. Assim, a pessoa que me impressionou mais, aqui em Portugal, pela sua capacidade de trabalho e pela sua genialidade, foi o professor António Ribeiro, porque apesar de ser mais da Geologia estrutural, sinto que ele consegue, no mínimo, perceber com bastante profundidade praticamente todas as áreas da Geologia. Lembro-me de um outro professor da Faculdade de Ciências dizer que "Cada um de nós toca um instrumento dentro da Geologia, mas o António Ribeiro toca a orquestra", porque ele consegue, de facto, tocar praticamente todas as áreas da Geologia e com uma mente brilhante integrar tudo isso e desenvolver um trabalho fantástico. Foi ele a pessoa que mais me impressionou.
23. E dentro da sua área, há alguma referência da qual se tenha tentado aproximar?
Houve uma pessoa que me acompanhou desde muito cedo, por diversos motivos, que foi o meu professor no 11º ano de CTV [Ciências da Terra e da Vida] e, como é só uns anos mais velho que eu, fui seguindo o percurso dele e fomo-nos encontrando. Mais tarde, encontrei-o na faculdade, e, depois, em Omã, fomos vizinhos e agora colaboramos em várias coisas. É o Ricardo Pereira [FCT-NOVA, GeoBioTec], uma pessoa que sempre admirei e que foi sempre uma referência. Quando estivemos os dois em Omã, ele estava lá pela Partex, e eu fui contratado por outra empresa, chegámos apenas com meses de diferença. Eu regressei para Portugal mais cedo e ele ficou por lá mais algum tempo. Estávamos juntos quase todos os dias, foi uma coincidência engraçada. Quando estava a fazer o curso na faculdade, ele estava a fazer o mestrado. Segundo ele, eu era o puto chato que estava sempre a fazer perguntas difíceis e a pôr o dedo no ar e a querer saber mais coisas. (risos)
24. Começou o secundário já com a ideia que queria ser geólogo?
Sim! Lembro-me quando tinha 13 ou 14 anos, na altura em que andava a apanhar fósseis, e do meu pai ter encontrado, não sei como, o nome do professor Mário Cachão. E fomos bater à porta do gabinete dele para mostrar fósseis. E ele foi super simpático, a dizer-me com muita paciência o que eram e a dizer-me outros sítios para procurar mais fósseis. O Mário Cachão foi também outra referência que tive ao longo do tempo e continuamos a dar-nos muito bem, temos inclusivamente alguns projetos em conjunto.
25. No âmbito da sua vida profissional, qual é a atividade que mais prazer lhe dá?
Continua a ser aquela que faço todos os dias: a biostratigrafia. Seja a apanhar amostras, seja a trabalhar no laboratório, ainda que atualmente já não processe muitas amostras. Depois gosto da parte de estar a observar e a retirar informações das amostras, integrar tudo, fazer os logs estratigráficos, e todo esse processo dá-me prazer. Tenho a sorte de fazer exatamente aquilo que gosto de fazer.
26. E o que menos gosta de fazer?
Sendo uma atividade comercial, há
uma parte que tenho de tratar, que é ir falar com as pessoas e perceber se
nesta ou naquela empresa têm interesse em fazer um estudo qualquer. Gostava de
estar de uma forma mais descontraída, sem ter de pensar nesse aspeto comercial
de angariar clientes, mas tem de ser feito.
"Segundo ele, eu era o puto chato que estava sempre a fazer perguntas difíceis e a pôr o dedo no ar e a querer saber mais coisas."
27. Fale-nos da sua situação profissional atual.
Sou um dos dois sócios da Chronosurveys, que surgiu há cerca de cinco anos, e a nossa atividade principal é a biostratigrafia. Trabalhamos um pouco com sedimentologia, às vezes petrologia orgânica, e dentro da biostratigrafia, sempre que há algo não relacionado com a palinologia, temos outros consultores que trabalham connosco. E, claro, também fazemos um pouco de interpretação sísmica. Fundamentalmente trabalhamos em biostratigrafia e, depois, algumas áreas relacionadas com isso.
28. Como é que foi o processo de criação da empresa no atual mercado de trabalho?
Foi uma coisa que vinha a ser maturada com o tempo. Fui vendo como seria possível, como poderia fazer, e um dia decidi sair da GALP, fundar a empresa e tive a sorte ou empenho de a colocar a funcionar. Para quem está a tentar começar, depende muito da área. A área dos petróleos ainda vai ter algum futuro durante alguns anos – talvez não tanto na Europa, mas noutras áreas do mundo continua a funcionar normalmente –, mas acho que os mesmos conhecimentos que aprendemos na indústria do petróleo vão continuar a ser úteis para a sequestração de carbono, para o hidrogénio natural, várias formas de armazenar energia em reservatórios geológicos. Portanto, há muita coisa onde vai continuar a ser preciso aplicar a Geologia, seja nos recursos metálicos, não metálicos, energéticos… tudo isso vai continuar a precisar da Geologia e, claramente, vai continuar a ter um futuro, ainda que possa ser ligeiramente diferente do que é atualmente.
" Lembro-me de um outro professor da Faculdade de Ciências dizer que "Cada um de nós toca um instrumento dentro da Geologia, mas o António Ribeiro toca a orquestra' "
29. Se tivesse de escolher um momento marcante para a sua carreira, qual seria?
Acho que foi o momento de fundar a empresa. Foi o momento mais determinante para aquilo que faço agora, e também a nível pessoal... A nível pessoal foi, sem dúvida, arriscado, porque saí de um trabalho estável, relativamente bem pago para os padrões portugueses, e a arriscar numa coisa que não sabia se passado um ano poderia estar muito bem ou na falência. A realidade foi algures no meio disso. O primeiro ano é sempre difícil, mas estávamos preparados para isso. Depois começaram a surgir projetos e a coisa tem estado a correr bem. A coisa mais importante foi ter dado o primeiro passo.
30. Olhando para trás, há algum projeto que considere que não correu tão bem?
A experiência no Brasil, no setor mineiro, acho que foi muito importante profissionalmente, mas o facto de estar isolado de tudo, num sítio pequeno, onde não conhecia ninguém e não ver ali grande futuro social e profissional, foi um momento difícil. Estar ali, de certa maneira, só na expectativa de ver quando é que aquilo acabava. Foram só uns meses, mas foi complicado. Nem foi tanto por estar longe de casa, mas foi por estar isolado de tudo. O trabalho foi desenvolvido no interior do estado do Pará, num local que se chama Xinguara – o nome era porque ficava a meia distância entre o rio Xingu, e o rio Araguaia, por isso resolveram dar esse nome – a capital do gado bovino do Pará.
31. Do ponto de vista humano, houve problemas?
Não. Não havia muita vida selvagem, mas volta e meia um fazendeiro mostrava-me o escalpe de uma piton que tinha encontrado, e aquilo nunca mais acabava, ou os tipos que andavam comigo, quando chegávamos ao pé de um lago ou de um rio, conseguiam perceber que os movimentos na água eram de algum crocodilo que andaria para ali. Tentava andar alheado disso e correu tudo bem. O mais grave que aconteceu foi ser picado por vespas.
32. Qual é a área em que se sente mais à vontade para trabalhar?
Formei-me no Paleozoico, portanto continua a ser essa a minha zona de conforto. Devónico, Carbónico, Pérmico, portanto, Paleozoico superior, sinto-me à vontade. Trabalhei um bocadinho com Silúrico e Ordovícico em Omã, também um bocadinho de Câmbrico e pré-Câmbrico. Sinto-me mais ou menos confortável nas coisas mais antigas, mas do Devónico até ao Pérmico é onde me sinto mais à vontade.
"(...) há muita coisa onde vai continuar a ser preciso aplicar a Geologia, seja nos recursos metálicos, não metálicos, energéticos… (...) e, claramente, vai continuar a ter um futuro, ainda que possa ser ligeiramente diferente do que é atualmente"
33. Acha que se não tivesse tido a oportunidade de Omã tinha avançado para a criação da empresa?
Omã foi uma experiência muito boa em vários aspetos. Era um trabalho full-time como estratígrafo. Tínhamos um laboratório à nossa disposição com técnicos e era só pedir para processar as amostras, que passados uns dias estavam tratadas, tínhamos microscópio… profissionalmente era espetacular. Deu-me muita experiência em trabalho profissional em biostratigrafia, que poderia não ter tido noutras circunstâncias. Esta experiência, certamente, deu-me traquejo para aquilo que faço agora. Por aí, sabia que havia mercado para este tipo de serviço de consultoria que presto, não tanto no nosso país, mas internacionalmente existe. Atualmente, a maioria dos meus clientes são estrangeiros.
34. Tem algum hobby?
Faço kung fu há praticamente 20 anos. Fui parando, dependendo dos sítios onde estava a viver, ou das fases da vida, e agora faço regularmente. Uma das minhas filhas também já faz e treinamos juntos.
Intraclasto
O microscópio
O Gil escolheu o microscópio. O seu microscópio. Para já, ainda é a sua ferramenta de trabalho e gosta genuinamente de estar ao microscópio, embora já comece a usar scanners de alta resolução e julgue que o futuro passará por aí. E, já sabe, se tiver algum pedregulho com bicheza que queira datar, vá a https://www.chronosurveys.com/.
Geomanias
Rocha preferida? Margas
Mineral preferido? Calcite
Fóssil preferido? Palinomorfos, claro! As acritarcas, são bichos bonitos.
Era, Período, Época ou Idade preferido? Gosto muito do Devónico.
Unidade litostratigráfica preferida? Tudo o que seja o Miocénico de Lisboa, que foi onde comecei.
Trabalho de campo ou de gabinete? Tudo, gosto de tudo. Para a minha
vida profissional terei de escolher gabinete.
Pedra mole ou pedra dura? Intermédio. Não gosto de rocha muito dura, porque senão é difícil sacar fósseis de lá. Rochas muito moles, coisas, "de ontem", também não tenho muito interesse… semi-litificadas.
Martelo ou microscópio? Gosto de tudo, do campo ao microscópio. Para o que faço, teria de escolher microscópio.
Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Recursos energéticos.
Ortóclase ou Ortoclase? Os biostratígrafos não dizem isso… dizem Carbónico ou Carbonífero, e eu digo Carbónico. (risos) Mas vá, ortóclase? Nem sei… ortoclase, talvez. Não digo há tanto tempo, não uso.