
Carlos Rosa
Abril 2025
GEOLOGIA MINEIRA
SÓCIO APG Nº O1329
Mais conhecido por Cazé, este outrora menino de Caneças queria trabalhar fora de paredes. Conseguiu! Foi para a Tasmânia para entender as rochas vulcânicas félsicas e já andou a tratar da saúde de minas antigas. Hoje continua a fazer o que mais prazer lhe dá: prospetar recursos minerais metálicos na incomparável Faixa Piritosa Ibérica.
"A ideia está sempre a evoluir, a ideia não é linear. Tu vês numa sondagem um determinado aspeto e, de repente, a tua ideia já desviou um bocadinho. (...) E esse é o aspeto mesmo desafiante, porque nunca há nada que te diga "Oh, isto está garantido!", não, não, pelo contrário, é sempre à espera de levar um estalo da rocha."
Foi sob o calor quase vulcânico do Lousal em agosto, no seu habitat natural – a Faixa Piritosa Ibérica – que fomos ao encontro de Carlos José Paulino Rosa, epíteto específico Cazé. Nascido e geoformado em Lisboa, foi para Geologia pelo glamouroso motivo de não ter conseguido entrar em biologia. Vamos perdoá-lo. Achava que feldspato era uma doença, mas bastaram dois meses e uma saída de campo para saber que aquelas eram as primeiras de muitas pedras no seu caminho. Depois de vários trabalhos de prospeção mineral e cartografia no Alentejo, não percebia nada do que estava a fazer. Foi ao outro hemisfério procurar respostas sobre o nosso vulcanismo félsico e trouxe-as, porque o bom filho à Faixa torna. Entre cortes geológicos e peperitos, aprendeu que quem quer entender de vulcões submarinos, avia-se em terra. Venham conhecer o geólogo que está sempre à espera de "levar um estalo da rocha", que acha que "não há pedra mole" e que fóssil bom é fóssil que não se vê. Cazé, o que dizem os teus olhos? Aquilo para o qual os formataste: o chão é lava!
Entrevista
Lousal (Grândola), agosto de 2024
1. Nome, a data e o local de nascimento.
Sou o Carlos José Paulino Rosa, mais conhecido por Cazé. Nasci a 18 de abril de 1973 em Lisboa, mas fui registado como tendo nascido em Caneças.
2. Conte-nos, de forma simples, para leigos, o que é que faz profissionalmente?
Eu sou geólogo e trabalho em prospeção de recursos minerais metálicos. Eu trabalho para uma empresa e a minha atividade é encontrar massas mineralizadas que sejam ricas em cobre, chumbo e zinco, porque é esse o interesse e o negócio da empresa.
3. Em que ano e onde é que ingressou no curso de Geologia?
Entrei em 1991, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, na licenciatura em Geologia.
4. Há, na sua família, mais alguém ligado à Geologia?
A minha esposa [Patrícia Conceição] é geóloga, para a frente ainda não sei... O meu filho está no secundário, portanto não sei o que vai ser. (risos)
5. Porque é que foi para Geologia?
Porque não entrei em biologia. (risos) Eu sempre tive algum interesse pela biologia marinha, e, portanto, esse era o meu objetivo, mas não tive nota para entrar em biologia. Geologia foi a minha segunda opção, apesar de na altura eu não conhecer nada de Geologia. Mas tinha um colega no secundário, o Nélson Beiró, cujo pai era geólogo da Geocontrole. Ele falava sobre Geologia e tinha interesse em ir para esse curso. E o meu interesse por biologia era também para trabalhar no campo, trabalhar fora de paredes, estar ao ar livre. Então achei que a Geologia também permitiria isso, coloquei Geologia como segunda opção e entrei. Confesso que quando entrei, como se calhar muitos outros, o meu objetivo era "Estou lá e depois mudo para biologia". Mas ao fim de poucos meses, talvez dois apenas, percebi que era ali que ia ficar o resto da vida.
6. O que é que o convenceu nesses meses?
Eu tive, no primeiro semestre do primeiro ano, uma cadeira que se chamava 'Geologia Geral' e o meu professor das práticas foi o Mário Cachão. E nessas aulas começávamos a aprender o que eram as rochas, os diferentes tipos de rochas, as características gerais dos minerais, a escala de Mohs, aquela coisa toda. E foi importante, porque eu não sabia nada! Lembro-me que, numa das primeiras aulas, o Mário Cachão disse "Tragam, quem tiver em casa, um pedacinho de quartzo ou um pedacinho de feldspato, vamos aprender a escala de Mohs". Ele disse feldspato e eu pensei "Feldspato? O quê? Que é isto? De que é que ele está a falar?" Portanto, era mesmo um zero. Quando chegou ali à altura de dezembro, antes das férias, fizemos uma saída de campo, um dia inteiro, ao Guincho, com ele, e isso mudou tudo. Foi uma saída espetacular, começámos na ponta sul da praia do Guincho, fizemos a praia toda até à praia do Abano, fomos por aí fora, passámos naquelas zonas que têm as granadas e onde tens o metamorfismo de contacto a sério, fomos até à serra, e foi absolutamente fantástico! Fez-me perceber o que era a Geologia, perceber de um modo muito básico, muito rudimentar, muito primário, digamos assim, e achei que podia ser muito interessante, muito engraçado.

Em trabalho de campo durante a licenciatura na Costa Vicentina (à esq.) e no Cabeço de Montachique (à drt.).
"Confesso que quando entrei [em Geologia], como se calhar muitos outros, o meu objetivo era "Estou lá e depois mudo para biologia". Mas ao fim de poucos meses, talvez dois apenas, percebi que era ali que ia ficar o resto da vida."
7. E quem foram os seus colegas de curso?
No meu ano só entrámos 60, mas no ano anterior tinham entrado 120, não havia espaço nas salas, foi complicado. Lembro-me que a Patrícia [Conceição], a minha esposa, entrou no meu ano, e a Raquel Costa também. Elas têm estado ligadas agora à parte da literacia do oceano e trabalharam com o EMEPC [Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental]. Também entrou o Diogo Rosa [Geological Survey of Denmark and Greenland, GEUS]. A maior coincidência é que, num determinado momento da nossa fase profissional, estivemos a trabalhar juntos, na Faixa Piritosa, e partilhávamos o mesmo gabinete. Portanto, era Rosa e Rosa Ltd, basicamente. (risos) Eu misturava-me com todos os anos, acima e abaixo, portanto há muita gente de que me lembro. Quando eu era estudante, o Filipe Rosas [FCUL] andava lá, o Pedro Madureira, que está em Évora e esteve no EMEPC, também. Lembro-me também da Ana Jesus [FCUL], que é mais nova, do Ricardo Pereira [FCT-NOVA] e da Ágata [Alveirinho Dias; FCUL].

"E a 'Geologia de Campo 3' também foi espetacular, foi aqui na zona de Grândola, no Paleozoico, e os professores eram o Rui Dias e o José Brandão. Foi um luxo, um luxo!"
8. Durante a Licenciatura qual foi a sua disciplina preferida?
Eu acho que não tive uma cadeira favorita, tive várias. Quando estava a fazer o curso gostava muito de Geologia Estrutural, portanto, gostei muito de 'Estrutural Complementar', que foi dada pelo António Ribeiro. Gostei muito de 'Geodinâmica' e de 'Jazigos Minerais Metálicos'. E depois foram as disciplinas de campo, eu sempre gostei muito de campo. Lá está, o estar fora de paredes. Também foi muito interessante 'Geologia de Campo 1', com o João Cabral, um grande professor. Basicamente, o que nós fazíamos era uma saída, um dia por semana, ou de 15 em 15 dias, já não sei, mas acho que era um dia por semana, e andávamos ali na zona circundante de Lisboa, ora na zona norte ora na zona sul. O objetivo era reconhecer rochas no campo, estruturas geológicas, aprender a fazer cortes geológicos e a fazer interpretação de relações das unidades no campo. Ali nas zonas da Malveira da Serra e Cresmina, fizemos também uma saída a sul do Tejo, em Almada, e em Ponte de Lousa e Bucelas. Já a 'Geologia de Campo 2' era cartografia. Nós tínhamos, não sei, talvez 4 km2 para cartografar. Havia várias áreas, porque éramos muitos alunos, e havia diferentes grupos a trabalhar em diferentes áreas. Havia umas cinco ou seis áreas, que iam desde Cabeço de Montachique até, talvez, à Póvoa de Santa Iria. Algures por aí. Eu fiquei com a área do Cabeço de Montachique. Cada área tinha uns três grupos, e as áreas que tínhamos de cartografar incluíam os Grés de Almargem superiores, os calcários margosos, os calcários cristalinos, o Complexo Vulcânico de Lisboa e, às vezes, apanhávamos um bocadinho do Complexo de Benfica, do Oligocénico. E a 'Geologia de Campo 3' também foi espetacular, foi aqui na zona de Grândola, no Paleozoico, e os professores eram o Rui Dias e o José Brandão. Foi um luxo, um luxo! Nós vínhamos um dia por semana, depois acampávamos aqui, ficávamos mais um fim de semana ou assim, e fazíamos cartografia na zona da Serra de Grândola, no contacto do Complexo Vulcano-Sedimentar e do Grupo Flysch do Baixo Alentejo. Aí tínhamos uma área de trabalho, não estava bem definida, mas íamos basicamente, em grupos de três ou quatro, atrás dos contactos, porque a ideia era percebermos e tomarmos conhecimento dos dobramentos, das polaridades, porque nos grauvaques estas viam-se bem. Eu acho que foi muito importante, porque no início eu também não percebia nada. Não estava habituado, via umas estratificações nos grauvaques numa determinada direção e depois via outras perpendiculares e ficava "O que é que se passa aqui?" (risos) Mas ao fim de um tempo a tentar perceber alguma coisa, comecei a encaixar a informação e foi muito importante.

Dois dos martelos do Cazé: "O meu último que deu o berro, e este outro, que foi o meu primeiro martelo de geólogo, que comprei numa feira dos minerais, um martelo espanhol, que está em muito bom estado porque isto para partir as rochas siliciosas…"

9. E quem fazia parte do seu grupo?
Éramos três ou quatro: a Patrícia [Conceição], uma rapariga, a Lara Sá, que acho que trabalha na Proteção Civil de Cascais, e o marido dela, o Rui Robalo, que também trabalha na Geocontrole.
10. E envolveu-se em algumas atividades extracurriculares, como desporto universitário, associação de estudantes?
Desporto universitário não, isso nunca fiz. Já ir para o campo, sim, gostava de ir e estava sempre a tentar ir meter o nariz em tudo o que era saída de campo alheia. Lembro-me que, acho que foi no segundo ano, já tentava infiltrar-me nas saídas de 'Geodinâmica', que eram do quarto ano, para tentar ir ver coisas mais interessantes. (risos) Nunca fui participativo em termos de organização de eventos, mas foi na altura em que eu era estudante que surgiu o 'Grupo de Geologia Estrutural e Tectónica', o GGET, e houve três ou quatro encontros do grupo durante o meu período de licenciatura, e participei.
11. Quando é que se tornou claro que a sua vida ia passar pelos recursos minerais e pela prospecção mineral?
Foi uma conjugação de diversos fatores e um deles, determinante, teve a ver com uma oportunidade de emprego. Eu gostava muito de 'Geologia Estrutural' e 'Geodinâmica', gostava muito de jazigos minerais, da formação das mineralizações, todos os processos envolvidos, os diferentes estilos, e por aí fora. E há um determinado período, depois de concluir a licenciatura, em que tenho uma experiência na Universidade de Évora, porque era necessário haver professores convidados, alguém que dava apoio às aulas de campo ou que guiava as aulas de campo, e que lhes dava apoio nas aulas práticas. Havia uma série de pessoas da Universidade de Évora que estavam a fazer doutoramento, e, portanto, nessa altura houve necessidade de ter docentes ou geólogos a dar apoio nessas aulas. Então, assim que acabei a licenciatura, passei um semestre em Évora e, no fundo, foi o meu primeiro trabalho. Entretanto, andava à procura de outros trabalhos na prospeção, efetivamente, e mandei uma série de currículos para Espanha.

"(...) estava sempre a tentar ir meter o nariz em tudo o que era saída de campo alheia"
12. Porquê? Era a área, na altura, que estava a empregar mais profissionais?
Era, exatamente! E, entretanto, fui chamado para uma entrevista, para uma empresa de prospeção, que se chamava Riofinex, mas era a Rio Tinto em Portugal. Fui chamado para entrevista e fui selecionado para essa posição. E pronto, foi quando comecei a trabalhar a sério em prospecção e onde fiquei cerca de ano e meio. O escritório da empresa era em Grândola! (risos) Tem uma certa piada. (risos) A empresa tinha aqui o escritório em Grândola, porque andava a trabalhar nesta zona. Há vários centros na Faixa Piritosa que são preferencialmente escolhidos porque estão próximos de mineralizações conhecidas. É o caso de Castro Verde, que está perto da mina da SOMINCOR, ou de Aljustrel, e Grândola surge no radar da empresa porque não muito tempo antes tinha sido descoberta a mineralização da Lagoa Salgada, que fica a norte de Grândola, muito próximo. O trabalho era fazer cartografia geológica do Complexo Vulcano-Sedimentar, em Mértola.
13. Foi aí que começou a relação com o Complexo Vulcano-Sedimentar? E como foram esses primeiros anos?
Foi, e foi difícil! Muito difícil. Muito agridoce, muita porrada com o martelo, muita frustração, muita alegria. (risos) Não percebia nada do que estava a fazer, basicamente. (risos) Entretanto, a empresa mudou de estratégia, porque na altura, estamos a falar de 1998-99, acho, os mercados internacionais estavam maus para os metais e as empresas tinham de se reformular, de cortar nos seus projetos. A Faixa Piritosa ainda não era vista como é hoje, com um grande potencial para metais base. Eu quando ingressei na empresa, na Rio Tinto em si, a divisão para a qual eu trabalhava era a Europa-África, portanto, já estava a haver uma junção dos dois grupos – anteriormente havia a divisão da Europa e a divisão da África. A legislação ambiental na Europa começou a ser mais forte e intensa – e ainda bem que assim foi – mas as regras de trabalho começaram a ser mais apertadas e muitas empresas que estavam espalhadas pelo mundo fora tiveram de se ajustar. Eu estou a dizer isto, mas foi a estratégia da empresa na altura e eu não condeno, não critico, é apenas uma constatação. Optaram por manter os projetos em África. Eu quando entro já estou na transição da divisão Europa-África, e depois a empresa acabou por diminuir os seus interesses em Portugal, mas manteve durante mais tempo os projetos em Espanha, porque eles tinham descoberto a mineralização de Las Cruces, perto de Sevilha. E, como o foco da empresa ficou em Espanha, houve que emagrecer. Eu estava a perceber para onde é que aquilo ia, eles estavam a perceber para onde é que aquilo ia, portanto procurei outras coisas e fui para outros lados.

"Foi, e foi difícil! Muito difícil. Muito agridoce, muita porrada com o martelo, muita frustração, muita alegria. (risos) Não percebia nada do que estava a fazer, basicamente."
14. E o que é que veio a seguir, então?
Fui bolseiro. (risos) No Instituto Geológico e Mineiro [IGM]. (risos) Supostamente, o trabalho também era cartografia, na Faixa [Piritosa Ibérica], mas as instituições públicas têm sempre muitas dificuldades financeiras, desde sempre, parece-me, e parece-me que a situação vai ficando sempre pior. Se calhar temos é de olhar e pensar que agora estamos bem, que temos de agarrar o que temos e marchar para a frente, em vez de nos andarmos a queixar. É que vai ficar pior. Fui trabalhar para o IGM como bolseiro e, por acaso, fiz alguns projetos engraçados. Acabei por não fazer tanta cartografia, porque não havia dinheiro para isso, mas trabalhei em alguns projetos que me deram uma perspetiva muito engraçada da Geologia, quer de parte da Zona Sul Portuguesa, quer da Zona de Ossa Morena. Trabalhei num projeto que achei interessante, que era a caracterização ambiental de minas abandonadas. Então fartei-me de percorrer minas antigas, ver imensos estilos de mineralização, fazer uma caracterização da mineralização à superfície, desde o norte da Ossa Morena até – e é por isso que digo Zona Sul Portuguesa – umas mineralizações de cobre que ocorrem no Flysch, a sul dos padrões normais do complexo Vulcano-Sedimentar da Faixa. São falhas tardias, mineralizadas, com cobre, com calcopirite! Já tinha ganhado muita experiência quando fui trabalhar para Mértola, porque andei a cartografar na zona da Serra Branca, que é bastante acidentada, encostada ao Rio Guadiana, com uma grande diversidade litológica. Eu nem percebia quais eram as rochas e como é que elas estavam no campo. (risos) Mas acho que foi interessante, sim.
15. E quando é que surgiu a possibilidade de fazer o doutoramento?
Surgiu também um bocadinho por uma série de fatores e não por, diria, uma vontade expressa e objetiva. Mas, realmente, foi lidar com a Faixa Piritosa – e eu lidava com as rochas félsicas, ou com o Complexo Vulcano-Sedimentar –, principalmente com as rochas félsicas que estavam, estão ou estarão associadas às mineralizações, e perceber que aquelas rochas me pareciam muito complexas, muito estranhas, muito diversas, e que eu não as entendia. Sabia que eram rochas vulcânicas, mas não percebia que tipo de vulcanismo, que estilo de vulcanismo, o que é que estava ali em causa. Eu achava que era possível entendê-las, tinha a certeza que era possível dada a diversidade que eu encontrava no campo, mas não as compreendia, nem a associação, se é que existia alguma, entre essas rochas vulcânicas ácidas, esses vulcões félsicos e as mineralizações de sulfuretos maciços. E achei, então, que seria algo que me poderia dar muito gozo, perceber a relação entre o vulcanismo e os sulfuretos [maciços]. Porque eles não apareciam despegados, têm uma condição genética, associada ao meio. A oportunidade de fazer o doutoramento, uma vez mais, foi uma daquelas coisas que surgiram em encontros e conversas. Eu nunca perdi muito a ligação com a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e não sei dizer nem como, nem quando, exatamente, mas surgiu uma conversa sobre a possibilidade de algum aluno, para doutoramento, vindo de Portugal, com experiência, com algum conhecimento na Faixa Piritosa Ibérica, ir trabalhar para a Tasmânia com as rochas vulcânicas. E eu pensei, "Isto por acaso tem uma certa piada, é um bocadinho aquilo que queria fazer".
"(...) mas ela dizia uma coisa, que a melhor maneira de perceber e estudar o vulcanismo submarino é em terra, são as sequências que estão hoje em dia expostas"

Em trabalho de campo na Nova Zelândia.
16. E qual era o objetivo do doutoramento?
Na Tasmânia temos uma província de sulfuretos maciços, as Mount Read Volcanics, que também têm vulcânicas félsicas, submarinas. São câmbricas, não são Devónico-Carbónico como as nossas, mas já tinham sido estudadas com bastante detalhe, por bastantes pessoas, da vulcanologia à petrografia e petrologia, cobrindo uma vasta área. Havia modelos relativamente sólidos, consolidados, sobre as mineralizações associadas a essas vulcânicas félsicas. E, basicamente, o que os australianos fizeram, e bem, foi olhar para outras províncias a nível mundial, que tivessem enquadramentos parecidos, e tentar perceber como é que eram essas províncias. Ou seja, o objetivo principal era perceber o vulcanismo félsico na Faixa Piritosa Ibérica, mas não o vulcanismo no geral, porque eu olhei muito pouco para as rochas básicas. E a relação do vulcanismo félsico com as mineralizações na Faixa, utilizando as ferramentas e o conhecimento que eles tinham desenvolvido e consolidado na Austrália. Isso a mim pareceu-me excelente! Eu conhecia já uma série de zonas, conhecia as rochas na Faixa, sabia ver o que são mas ter alguém que me ajudasse em termos de métodos e depois de interpretação, era porreiro! Eu tinha uma orientadora, uma senhora australiana, Jocelyn McPhie, que é uma vulcanóloga fabulosa, tremenda, tanto do mais recente como do mais antigo. Se calhar, quando se pensa em vulcanologia, pensamos em vulcões atuais, vulcões modernos, mas ela dizia uma coisa que era "a melhor maneira de perceber e estudar o vulcanismo submarino é em terra, são as sequências que estão hoje em dia expostas". E é muito verdade, porque, de facto, a minha vulcanologia também é muito complexa. Portanto, as Mount Read Volcanics são de livro, a Faixa Piritosa tem exemplos completamente fabulosos, e nós temos seções de qualidade mundial para mostrar aspetos do Complexo Vulcano-Sedimentar. E de facto, é em terra que tu consegues ver, que tens tempo e tens tudo exposto. Eu foquei-me aqui nas rochas félsicas, porque foi o que estudei, mas o vulcanismo ou os processos associados às félsicas são diferentes dos processos associados às básicas, e o vulcanismo submarino também é completamente diferente do vulcanismo subaéreo. E a Jocelyn também era especialista nas félsicas submarinas, por isso é que ela era a orientadora. Ou seja, não fui eu que fui à procura dela, nem foi ela que veio à minha procura, mas era ela que enquadraria alguém para perceber esta província e para ajudar a aumentar o conhecimento desta área. O meu doutoramento foi misto, não era a tempo inteiro na Austrália, nem a tempo inteiro em Portugal, era repartido. E o que é que eu fiz? Primavera-verão lá, primavera-verão cá! (risos) Eu pus-me a viver sempre no verão! Foi excelente! Vivi uns anos em que era só primavera-verão, primavera-verão. Era um sonho! O objetivo do doutoramento era identificar áreas de estudo, na Faixa, que fossem passiveis de ser estudadas em detalhe do ponto de vista da vulcanologia física. A vulcanologia física baseia-se muito na interpretação textural, estrutural, nas relações entre as diferentes fácies, digamos assim, vulcânicas, e não tanto nas questões de petrologia ou de génese ou origem dos magmas. É mais o aspeto geométrico da questão que, para mim, não deixa de ser fundamental. É que todos os trabalhos que se desenvolvem depois, na minha opinião, em termos de petrologia, em termos de datações, o que quer que seja, se não tiveres o enquadramento geométrico daquela amostra que tu tiras de uma determinada secção de um edifício vulcânico, epá, estás completamente perdido. E o objetivo do trabalho era esse, em toda a Faixa, não só em Portugal. Eu tive três áreas de estudo em Portugal e cinco áreas em Espanha, nas quais trabalhei mais em cortes, não em área. Trabalhei em cortes que, à partida, de acordo com a literatura e com o que estava publicado, eram zonas que poderiam ser críticas na interpretação de algum aspeto relacionado com aquilo que era, no momento, a ideia geral para as félsicas do Complexo Vulcano-Sedimentar da Faixa. E um desses aspetos, que me deu imenso trabalho a tentar perceber, era a existência, ou não, de peperitos. Peperitos são uma textura ou uma associação que se forma quando as vulcânicas intruem sedimentos que não estão consolidados, o que lhes põe logo uma carga intrusiva. E há uma altura em que há uma corrente que aponta para que na Faixa Piritosa as ácidas sejam todas elas intrusivas, por causa das texturas que há, precisamente, nos contactos de topo. E este aspeto acaba por estar mais bem trabalhado em Espanha do que nas áreas de Portugal, porque era onde estava mais documentada a existência desses peperitos. O trabalho com a Jocelyn foi tentar perceber se efetivamente eram peperitos ou se era outro tipo de associação entre elementos vulcânicos e elementos sedimentares que davam uma textura semelhante ao peperito, mas com uma génese que pudesse ser completamente diferente.

"(...) o que é fundamental para tu saberes fazer algo na Geologia, são os teus olhos, é a maneira como tu olhas para uma determinada rocha, para um determinado aspeto, e como é que tu o lês e interpretas"
17. Como geólogo de prospeção, alguém que já fez tanta coisa na vida e envolvido em tantos projetos, qual é a atividade que mais gosta de fazer?
Gosto muito de fazer cartografia geológica. Acho que é a fazer cartografia que se aprende muito de Geologia. Muito de Geologia básica! Porque vês, estás a ser confrontado com a Geologia. O que é isto? Isto é um contacto. E que tipo de contacto é? Isto é uma estrutura sedimentar. Que estrutura é que é, o que é que ela me está a dizer? O que é que eu posso extrair dela? Porque é que tem esta relação com outras estruturas ou com outra estratificação? Portanto, gosto muito de fazer cartografia, porque tens de tirar partido disso tudo para perceberes o teu modelo. No fundo, é perceber o modelo tridimensional, digamos assim, de um espaço. Mas isto está ligado também com a prospeção, que é para eu tentar imaginar e perceber os sítios mais favoráveis para a existência, em profundidade, das mineralizações.
18. É começar um projeto novo de prospeção que mais lhe dá prazer?
Sim, mas também me dá muita pica, por exemplo, os projetos que temos atualmente, que estão avançados, e ver os resultados, levá-los para a frente, ver que andam e o que vão andar.
19. E ver que as suas ideias estão a bater certo?
Nunca é bem nesses termos, porque isso é ser demasiado presunçoso e achar que percebemos demasiado a Geologia. Não são as nossas ideias, mas aquilo que pensámos. A ideia está sempre a evoluir, a ideia não é linear. Tu vês numa sondagem um determinado aspeto e, de repente, a tua ideia já desviou um bocadinho, e segue esse outro rumo, e depois vês outro aspeto e volta e vai. E eu acho que isso é fundamental! E esse é o aspeto mesmo desafiante, porque nunca há nada que te diga "Oh, isto está garantido!", não, não, pelo contrário, é sempre à espera de levar um estalo da rocha.

"Acho que é a fazer cartografia que tu aprendes muito de Geologia. Muito de Geologia básica! Porque vês, estás a ser confrontado com a Geologia"
20. E o que é que não gosta tanto de fazer?
O que eu não gosto de fazer neste trabalho são os orçamentos. Tenho de fazer muitos orçamentos por causa dos planeamentos e detesto fazê-los, é muita hora atrás do computador, é uma chatice.
21. Qual a sua publicação favorita na área das geociências? Pode ser uma carta geológica, um livro, um artigo…
Essa também é uma pergunta difícil, tal como as outras, mas vocês fizeram de propósito para arranjar perguntas difíceis. Porque existem várias, como seria de esperar. Mas se eu tiver de referir uma única, vou referir uma que acho que foi marcante – a mim marcou-me e foi marcante para a Geologia – e que continua a ser atual, que é o livro da Jocelyn McPhie, do Rodney Allen e do Mark Doyle, o Volcanic Textures [Guide to the Interpretation of Textures in Volcanic Rocks], que eles publicam com aspetos de texturas das rochas vulcânicas. Não só de Mount Read, mas, também, com exemplos atuais e modernos. E ensina ao resto do mundo como é que se deve olhar e interpretar texturas vulcânicas, de modo a perceber as rochas vulcânicas e o vulcanismo. Porque não é só olhar para a textura e, "Ah, isto é uma textura qualquer" e pronto, já está.
22. É quase uma arte, a vulcanologia física.
Temos aqui a Inês e a Sofia que são especialistas noutras áreas e que, se calhar, também não percebem a arte da sua especialização, porque já estão muito familiarizadas com elas, já é banal. Já é banal no sentido de ser rotineiro. Isto muitos professores comentavam e é mais do que óbvio: o que é fundamental para tu saberes fazer algo na Geologia, são os teus olhos, é a maneira como tu olhas para uma determinada rocha, para um determinado aspeto, e como é que tu o lês e interpretas. Porque os teus olhos estão formatados para isso! Os teus estão formatados para o teu trabalho, os meus olhos estão formatados para o meu trabalho. Mas obviamente que, com tempo, eu posso-vos formatar para ver coisas que eu também vejo, como vocês me podem formatar a mim para eu passar a ver coisas que até agora não via. Isto, apesar de sermos todos geólogos. Tem a ver com a especialidade e a especialização de cada um de nós. A questão, como qualquer um dos nossos trabalhos, é nós sabermos como abordar o problema, porque temos um problema para resolver, como é o que o abordamos, e o que temos de dar nota, o que é que é importante, efetivamente, para resolver esse problema. E o que tu estás a dizer que é uma arte, qualquer um dos nossos trabalhos é uma arte.

"Os teus estão formatados para o teu trabalho, os meus olhos estão formatados para o meu trabalho. Mas obviamente que, com tempo, eu posso-vos formatar para ver coisas que eu também vejo, como vocês me podem formatar a mim para eu passar a ver coisas que até agora não via"
23. Há algum geólogo, contemporâneo ou não, que admire muito?
Há muitos. Gosto e gostei muito de ter aulas com alguns deles, e acho que como geólogos foram muito, muito importantes o António Ribeiro e o Fernando Barriga. Mas se tiver que escolher só um, tenho que ir para a Austrália, para a senhora baixinha e super-fantástica, uma pessoa incrível, a nível pessoal e a nível intelectual, a Jocelyn McPhie.
24. Qual foi o momento mais marcante na sua carreira?
Essa é difícil. Talvez o doutoramento. O seu fim significava voltar a Portugal, por opção, mas não sabia bem o que ia acontecer a seguir. Depois de terminar o doutoramento, voltei logo para Portugal e estive oito meses desempregado. Apesar do doutoramento ser sempre uma mais-valia, eu diria também que, tanto a mim como à maioria dos colegas que conheço que também fizeram doutoramento – alguns já tinham começado antes de eu começar e continuaram alguns anos depois de eu regressar –, não nos trouxe algum tipo de segurança profissional. Depois do doutoramento comecei um pós-doc, um contrato de cinco anos, uma coisa que me parece que seria muito parecida com um atual CEEC [Concurso Estímulo ao Emprego Científico]. Mas eu comentava, quando regressei, que se eu se tivesse de voltar atrás, e se me dissessem tens de ir para a Austrália fazer este doutoramento, e se tivesse de passar por tudo o que passei, com todo o sofrimento – porque houve momentos muito sofridos e frustrantes – eu fazia tudo outra vez. Porque gostei muito.
25. E há algum momento que considera mais difícil, um falhanço ou um embaraço?
Falhanço, acho que não. Mas houve uma questão, uma vez, ainda durante o doutoramento, em que a Jocelyn [McPhie] veio a Portugal e nós andámos quase duas semanas no campo, entre Portugal e Espanha, a ver as áreas de campo todas. E, depois, obviamente, ela estava cá e havia interesse que ela fizesse uma palestra, era interessante e importante. Eu vou combinando tudo com ela, que seria no LNEG, no auditório, e esqueci-me de avisar os colegas. Ninguém sabia! Não estava nada preparado [da divulgação], nada, nada, nada! Ninguém sabia! Só eu e ela! (risos) Chegámos de manhã a Lisboa e aí é que me lembrei! E então fui falar com pessoas no LNEG, da faculdade [de Ciências da Universidade de Lisboa], "Epá, vai haver isto à tarde, a seguir ao almoço". Quando chegou a hora ainda estava composto e a coisa lá passou, mas fiquei um bocadinho a suar!
26. Se pudesse viajar no tempo geológico e assistir a um evento concreto qualquer, qual seria?
Essa pergunta é engraçada. Há várias coisas e eu troquei ideias lá em casa, confesso. Posso pensar, por exemplo, quando o meteorito atingiu a Terra e deu cabo dos dinossauros, era giro. Mas há um outro, focando-nos um bocado na Geologia portuguesa, que eu também achava uma certa piada. Há pouco falámos do Complexo Vulcânico de Lisboa, e do Cabeço de Montachique, e eu achava piada ver o vulcão de Montachique em erupção. E lá perto há um outro vulcão traquítico, que é em Montemor – Montemor perto de Loures –, e também gostava de ver esse, que eu acho piada às manifestações traquíticas dentro do CVL.

Intraclasto
As amostras do Cazé

Como intraclasto, o Carlos trouxe-nos algumas das suas rochas favoritas. E, surpresa!!, são todas vulcânicas. De vulcões mais ou menos atuais ao Paleozoico. As amostras incluem uma bomba fusiforme e estriada do vulcão dos Capelinhos (5), no Faial (Açores), uma amostra de basalto com abundantes cristais de feldspato do vulcão Estromboliano traqui-andesítico Yasur, em Vanuatu (1) – que chegou a partir uma unha de uma guarda fronteiriça australiana! –, uma pedra pomes da Nova Zelândia (3), uma brecha pomítica da Faixa Piritosa Ibérica, formada pela acumulação, compactação e diagénese de clastos vesiculares de pedra pomes (2), e uma espetacular disjunção prismática de bolso, dos domas riolíticos da Serra Branca (4).
Geomanias
Rocha preferida? Pedra pomes
Mineral preferido? Calcopirite, esfalerite, galena, a esmeralda e o rubi
Fóssil preferido? Os microfósseis porque não os vejo. (risos) Mas são muito úteis para o meu trabalho!
Unidade litostratigráfica preferida?
O Complexo Vulcano-Sedimentar, da Faixa Piritosa Ibérica
Recursos minerais metálicos ou não metálicos? Metálicos
Era, Período, Época ou Idade preferido? Pode ser o Carbónico, que é onde eu trabalho
Trabalho de campo ou de gabinete? Campo
Martelo ou microscópio? Martelo
Amostra de mão ou lâmina delgada? Amostra de mão
Pedra mole ou pedra dura? Pedra dura, não há pedra mole!
Esparrite, Esparite, Sparite ou sparrite?
Eu digo muito pouco essa palavra, e deixei de a dizer há muitos anos, mas esparite